quarta-feira, 18 de agosto de 2010

b.h.


silenciosa devoro-te, minuciosamente.
respiro a memória de seus gestos.
refaço o que um dia podem ter sido seus passos.
desejo-te em cada uma das palavras que preenchem estas pouco mais de 130 páginas.
engano o sono com a breve menção do seu gosto.
queria compartilhar do seu prazer e cá estou, submersa em fragmentos de memórias que você já navegou.
compreender. ser, quem sabe, dois corpos, dois espíritos que se satisfazem na complementação..
paro. tento reorganizar meus pensamentos.
os dois ponteiros do relógio estão rígidos na vertical.
vejo que novas 24horas de vida estão surgindo.
mal me permito perder estes segundos para me dar conta das horas.
quero me inteirar de tudo o que sobrou de você, ainda que sejam apenas estas linhas grifadas -  marcas que foram feitas por suas mãos.
viro a página. quase posso sentir o cheiro do seu novo perfume.
meus olhos ainda estão vidrados. 

as linhas.
o relógio no seu curso.

a vida.
todos a minha volta são estranhos e eu não me importo.
você ainda me é estranha, e isso me importa.
quero descobrir-te.
busco qualquer detalhe nesses seus resquicios, nessas pequenas memorias - que nao são suas, afinal.
se desconcentro, penso em como seria o encaixe do seu beijo com o meu.
pena, não nos tocamos desta maneira.
pergunto-me: gostaria?
viro mais uma página, como se fosse seu corpo.
com desejo, mas delicamente.
o relógio cada vez mais adiantado.
suas voltas continuas e incansáveis tiram você de mim.
ao menos me deste inspiração.
sigo.
seu perfume já não é tão novo e ainda não me encontrei do seu sorriso.
deixo as horas. 

dias. 
semanas. 
meses.
até.

espera-me para o verão?

sexta-feira, 11 de junho de 2010

aforismo.¹



talvez eu seja apenas
o seu sorriso perdido;
a voz no pé do ouvido;
o abraço quente na noite fria;
aquela velha canção esquecida;

talvez eu seja apenas
o seu pedaço partido
o fio de cabelo caído
os teus olhos fechados
o encaixe do teu coração.

talvez eu seja.
talvez eu nem seja.
e quem pode me dizer ?
o que eu poderia fazer ?

sou apenas seu talvez,

e talvez sua vida passe,
talvez teu sonho acabe,
talvez seu mundo desabe;


e nesse momento deixarei de ser talvez.

terça-feira, 25 de maio de 2010

das distâncias;



Ainda pequena, enquanto a maior parte das  crianças se preocupava em brincar, pular e correr para todos lados, ela sentava-se ao lado do telefone público do pátio e observava.
Sentia-se protegida ali. Longe dos toque e dos olhares, que se distraíam com as brincadeiras e sorrisos. 
Gostava de estar em casa e sentir que aquele lugar era só seu.
Não falava muito, apenas o que a perguntavam; 
sempre que podia economizava nas palavras e até mesmo nos olhares.
Seus sorrisos eram escassos e suas roupas não chamavam muita atenção. 
Raramento via-se cor no seu dia-a-dia.
Assim, o tempo foi passando. Ela foi crescendo. Da menina miúda se transformou em uma moça grande e reluzente - mas sem afeições.
Jamais conseguia expressar qualquer sentimento em seus olhares ou raros sorrisos.
Aos poucos as pessoas foram compreendendo sua personalidade e se afastando, deixando-lhe respirar. Esperavam que o tempo a fizesse mais maleável!
Mas, ela mesma, não aprendeu muito sobre si ou sobre o espaço que era preciso impor entre seus desejos e seus medos.
Assim, escolheu os medos. Aumentou a distância diante de tudo e todos.
Ergueu um pequeno muro de concreto entre a razão e todos os sentimentos que se misturavam dentro de sim. E, desde então, resignava-se. Acreditava-se. Bastava-se.
Desenvolveu uma grande capacidade de descartar todos aqueles que passavam por sua vida.
Não criava laços. Não permitia que dependências fossem desenvolvidas.
Até que um dia deparou-se com um espelho e não se viu.
Encontrou apenas a imagem de uma menina miúda e sem vida.
Não foi capaz de se mover. E permanecera ali sem encontrar resposta para a pergunta que não existia. Do outro lado da ilha que é a vida. Separada da vida por todas as distâncias que sempre fizera de seu alicerce. Sozinha. 
Acompanhada apenas de todo o abandono que nutriu por aqueles que ficaram de longe.



quinta-feira, 20 de maio de 2010

pequeno imprevisto.




não é preciso criar.
não é preciso pedir, procurar ou inventar.
não é preciso correr.
não é preciso se esconder, negar ou chorar.

as aproximações estão pré-destinadas.
é uma ausência de escolha;
é abundância de surpresas.

feche os olhos. exceto os do coração.
encante-se - todos os dias.
viva.



terça-feira, 4 de maio de 2010

detalhes da minha deficiência (im)pessoal


Amante das palavras que sou, e sempre fui;
me perco facilmente;
Entre linhas, entre lábios - que seduzem de movimentos.
É doce perceber as letras se aproximando, se desejando, se amando um pouco mais a cada instante.
Ver, em seguida, frutos desse amor, as palavras que brotam e se  fazem: frases, discursos, livros.
Parágrafos que esboçam sentimentos - meus, seus, deles (nossos.)
Por este tão farto mundo paralelo é que deixo trabalhar meu ouvido. Que sente e transmite à alma e ao coração o que jamais conseguirei tocar.
E assim, nessas minhas andanças poéticas, me perdendo e me encontrando entre pontos, vírgulas e interrogações, exclama em mim a notícia de que minha deficiência está nos olhos - que não podem ser tão grandes para abrigar esses ninhos de palavras que me abraçam.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

para uma (quase) menina com uma (quase) flor /





Sentara ali por impulso.
Ninguém se atrevera mais a questionar suas atitudes havia algum tempo.
Sabiam, todos, que ela nunca fora boa em resistir aos sentimentos. Tudo o que sentia, vivia!
Naquele dia, por exemplo, sequer pensou duas vezes. Ao ver aquela flor, prestes a desabrochar, com tantos pequenos detalhes a serem admirados, assim - ainda sem definições do que seriam ao se mostrarem as cores do dia, ou a luz da lua na noite negra. Sentou-se, portanto. 
Sem Saber exatamente porque. Sem saber o que esperar... Apenas se jogou ali.
Recostou-se no velho banco vazio e, aparentemente, abandonado.
Percebia que o fluxo de pessoas, insetos, passáros e pensamentos nunca deixaram de estar por perto. 
Durante aquelas duas horas de total recolhimento, observação e ansiedade absteve-se de encarar a vida real. Permitiu-se a sensibilidade de absorvê-los sem colocar-se entre. Sem deixar que, mais uma vez, atrapalhassem o seu curso. Dessa vez, não ofoscuriam nada. Muito menos o seu encontro com a flor, a descoberta de sua origem, sem nome e seu perfume.
Claramente, via os passos em volta. Alguns mais lentos, outros mais fortes, outros nem lembravam passos - tão rápidos se passavam!
Sentia os insetos percorrerem suas pernas, mãos, braços, nariz e ouvidos; Caminhavam ali e causavam certo incômodo e, ao mesmo tempo, lembravam-na que em seu corpo ainda havia vida.
Não se cansou em minuto algum. Seus olhos não se cansavam de esperar. Espelhavam os segundos de ansiedade do seu coração. Ansiavam pelo perfume da verdade que os envolveriam em algum momento. Em poucos segundos.
Então ela se abriu. Abriu-se em frente aos seus olhos num instante longo e incompreensível.
E, pois bem: a flor não era tão bela. Apenas, mais uma flor.
Não conseguiu compreender. Onde estaria a dádiva - a surpresa. Exatamente como ela imaginara que fosse. As mesmas cores, o mesmo tamanho, as mesmas proporções... 
Gostaria tanto de ser surpreendida. Ansiou tanto para que isso acontecesse e agora estava ali, perplexa com a exatidão que a flor desenhara aquela dos seus pensamentos.
Ficara tão absorta que não teve tempo de perceber que o perfume ainda não invadira seus olhos. Sequer seu olfato, palador ou tato. Com nenhum dos seus sentidos conseguiu alcançar o perfume daquela que estava ali, a um palmo de si mesma.
Imaginara algo tão pobre de beleza, justamente esperando a grandiosidade.

Tanto gostava de se surpreender que desenhava situações para que isso acontecesse.





Não se dera conta de que era impossível acompanhar todo o crescimento de um grão que germina e floresce sem perder algum detalhe. Foi naquele dia que ela aprendeu que a vida só seria perfeita no seu interior e , que assim seria, se houvessem mil e um detalhes sendo perdidos à sua volta. Jamais seria a dona do tempo, das imagens, dos toques e do cheiro.

Ouviu uma voz dizer enquanto se despedia - sem se dirigir, sem se despedir.

- É um belo cravo!


Foi então que pensou:

- Afinal, viver é contemplar a perfeita imperfeição!









''amando-te e morrendo,
a ti, rosa impossivel,
choro o meu martírio:
tu, que mal tem alma,
não me dás teu corpo!'' (Faustino, M.)


-






 





.


Gestos de amor fizeram-se
- estrelas brilham -
se desfizeram.


(Faustino, M.)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

da série: aforismos - nº1

quem sabe;
- um dia
flores possam
 colorir

 t e u s s i l ê n c i o s;












































.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

viramundo;


Aqueles passos apressados - os seus e os meus -
me torturavam.
Passos tão firmes que se tornaram cruéis demais para suportar.
Nos mantívemos assim, ao longo do caminho. Não ousamos olhar para trás. Seguimos - em direções opostas.
Com o passar do tempo, meus medos e desejos se tornaram tão próximos que já não conseguiam viver separados. Se enamoraram. Acharam-se em uma relação de equilíbrio e, ali, sentiram-se confortáveis.
Se um resolvia falar mais alto, o outro vinha sorrateiro e lhe tomava pela mão. Quando se entrelaçavam e se rasgavam de amor e ódio, eu me sentia em paz. Ocupados de si e tão únos, eu não conseguia mais pensar em um deles.
Fui afortunada. Ainda me restavam aqueles momentos em que a serenidade me abraçava, mesmo que, simultâneamente, meu peito habitasse uma guerra de amor&ódio.
Desta forma, consegui encarar o tempo - outro traiçoeiro. O tempo que não hesita; não tem razão ou piedade. Tempo esse que existiu o suficiente para que a vida acontecesse. Para que você acontecesse. Para que eu acontecesse. E não acontecessemos em nós. Inútil; (Pois, mesmo sem te ver, um pedaço em mim guardou o seu lugar. Um pedaço que sempre acreditou na possibilidade de, um dia, sentarmos lado a lado pra dividir experiências, sonhos, desilusões e uma bola de sorvete). Houve dias em que ele me brindava, logo pela manhã, com um cheiro vindo da cozinha, que me despertava. Inevitavelmente, ao abrir os olhos, após ser tocada pelo cheiro do café preto que logo estaria em minhas mãos, eu via teus cabelos. (Ah, como gostaria de tocá-los!)
E seu sorriso? Onde estava nessas manhãs em que meus pensamentos perdiam-se nos teus olhos jamais avistados - visitados.
Não me importo mais com a resposta para essa pergunta. Ou com as respostas para muitas outras perguntas que tomaram conta de mim desde a (falta de) despedida.
Já não me importo mesmo. Diante do encontro de nossas estradas, tudo se torna muito pequeno.
Bem como não nos perdemos em nossos passos, que continuam firmes - mas, se transformaram e mudaram de rumo, o amor não findou. Mudou. 
Mudei. 
Mudamos.
Nos (re)encontramos aqui. Com muito mais a oferecer; mais para dividir. 
Portanto, permaneça aqui por algum tempo. Não tome outro caminho.
Amizade - tão mais confortável que a paixão.
Então, escrevo: Sejamos! 
E, 'que seja doce', mas não em demasia - que é pra não enjoar.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

baile de sentimentos;


'E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha ao encontro da minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantandos, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.'

(Lispector, C.) 

Nos perdemos ao longo do caminho, muitas vezes, tentando fugir das nossas aflições, dos nossos medos. Como afortunados seríamos se fossemos donos da coragem que Clarice escancara nesse pequeno trecho do conto 'Restos do Carnaval'.
Ah, se todos tivéssemos um ladinho Clariciano
... 
que, mesmo afligida e faminta de respostas, encarava o mundo, as palavras, as pessoas e suas máscaras!







segunda-feira, 5 de abril de 2010

para refletir e desfrutar.

"Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca".

(Galeano, E.)

sábado, 3 de abril de 2010

a grande e sútil verdade de Manoel.

Veja Manoel:



pautado, impresso, descoberto, inusitado, casual, extraordinário, misterioso (...)
Um Manoel aflito de viver.
Realizado de não querer.
Seu ser, poesia, de vida adorável encanta o sensível e deixa curvas no que parece tão rígido.
Curvas que também fazem os rios que banham suas poesias;
Seu segredo, talvez, esteja escondido aí. Por não falar a todo instante de amor, que nele se derrama e nos mergulha a cada palavra.
Amor puro, palpável. Amor de amor e só.
Nessa natureza - minha & sua - que canta, seduz, encarna e envolve de paixão.
Nas mais banais, e explendidas palavras, encontramos Manoel -
Seja em pedra, passáro, céu, água, folhas ou vento!
'Manel', como diríamos aqui em Minas, que para alguns ainda é desconhecido, está ainda respirando e espalhando essa poesia bela em nossos ouvidos, olhos e coração.
Poesia real e simples - mas grande! 
Digna de sentimentos (de sentirmos). 
Tenho percebido um pouco do Manoel em tudo que passo. Em tudo que me passa.
Desejo, portanto, que todos compartilhem um pouco desse homem, do seu ideal, da sua vida, sua simplicidade - seu real prazer em estar vivo.

Viva Manoel!  (de Barros)

Pois ele nos traz o encontro da vida.


Ele que as palavras encontram, mesmo se não estiver. 
Aquele que está aqui para ser.


"Um passarinho me árvore. (O passarinho me transgrediu para árvore. Deixou-me aos ventos e às chuvas. Ele me bosteia de dia e me desperta nas manhãs.)"